Cipião, o africano (236 a.C), foi um general, estadista e político romano. Herói glorificado por ter derrotado Aníbal, o lendário general cartaginês. Por intrigas no poder, foi, injustamente acusado de corrupção. Diante da ingratidão dos seus compatriotas, magoado, se autoexilou fora das fronteiras de Roma. Pediu que o enterrasse numa depressão e escrevesse em sua lápide: “Pátria ingrata, não passuirás meus ossos.” Até hoje, as pessoas, numa reverência forçada, se curvam para ver sua lápide e ler a sua frase amargurada.”
Sarney, o sábio, o estadista, o Atlas de nossa redemocratizacão, tantas vezes apedrejado, incompreendido e injusticado, com toda razão e cheio de mágoas, teria todos os motivos para repetir Cipião, num autoexílio da vida pública à qual dedicou quase toda sua existência.
Ninguém mais do que Sarney, na história recente do Brasil, foi tão apunhalado pelos ingratos da nação: o punhal da imprensa odienta, o punhal do preconceito aos nordestinos, o punhal dos intelectualoides sobre o escritor maranhense, o punhal dos seus pares em pleno Congresso Nacional, o punhal do obscurantismo sobre a sabedoria do estadista e defensor paciente da democracia brasileira…
Ninguém mais do que Sarney, acusado de construir trilhos que ligam o nada a lugar nenhum e escrever livros que ninguém lê por motivo algum, todos, cheios de preconceitos contra um; ninguém mais do que Sarney, diante de tantas ofensas e incompreensões selvagens, teria justificado direito de repetir Cipião, diante da ingratidão dos seus compatriotas: “Pátria ingrata, não passuirás meus ossos.”
No entanto, ninguém mais do que Sarney, humildemente, soube suportar essa travessia de chumbo de nossa democracia, repetindo sempre a si mesmo, ainda que em momentos de aparente luz na tempestade: “José, lembra-te que és mortal, lembra-te que és mortal.”
Ninguém mais do que Sarney merece a razão do tempo e da nossa História, agora quando todos o procuram como O SÁBIO DE NOSSA DEMOCRACIA.
Sarney, hoje, caminhando para os seus noventa e dois anos, nos lembra aquele sábio que tinha resposta para tudo, e que foi testado por um menino travesso: ” Vou segurar um passarinho em minhas mãos para trás e perguntar ao mestre se o passarinho está vivo ou morto. Se o mestre disser que está vivo, esmago o passarinho e o mostro morto; se disser que está morto, mostro o passarinho vivo.” Ao perguntar ao mestre, com as mãos para trás, se o passarinho estava vivo ou morto, o mestre olhou fundo nos olhos do menino, e disse: “Meu rapaz, a resposta está em suas mãos. “
Provavelmente, a mesma resposta que Sarney deu ao Lula e ao Bolsonaro quando o visitaram com a nação brasileira em suas mãos temerárias para trás: “A resposta, Lula; a resposta, Bolsonaro, está em suas mãos .”
Sarney sabe, para além de suas próprias mágoas e das mágoas de Cipião, que o ódio e o amor, como dois lobos em eterna luta, conduzem os caminhos do homem e das nações, e que o lobo que mais vence é aquele que nós mais o alimentamos. Daí, Sarney dizer sempre que jamais governou com ódio ou mágoa em suas mãos.
Na longa vida do Sarney, enfim, prevalece o humanista e o poeta: a Pátria amada sem mágoas e sem ódio no coração.
Ao contrário de Cipião, tal qual Sidarta de Hermann Hesse, recolhido à margem do Rio Pericumã, na baixada maranhense, contemplando o céu espelhado no manso deslizar das águas em direção ao mar, Sarney diria (apesar de tudo), com seus próprios versos, com profunda humildade e reverência ao divino, sobre tudo que viveu, entre mágoas e redenção: “TENHO um encontro com Deus: /— José!/ onde estão tuas mãos que eu enchi de estrelas?/ — Estão aqui, neste balde de juçaras e sofrimentos.
Ave, Sarney! Teus contemporâneos e a posteridade te saúdam.