O HUMANISMO DE ROSEANA
Certa vez, quando lancei o meu livro Pátria Amarga, Brasil, no qual abordava os principais problemas sociais brasileiros, um determinado repórter foi me entrevistar. Sua primeira pergunta, com um ar de desdém, me pegou de surpresa. “Como é que o Senhor, andando de carro do ano, e tendo uma vida confortável, pode escrever poemas sobre as misérias do Brasil?”. Aquele jornalista só olhou o meu carro e vomitou aquela pérola de preconceito. Eu não merecia aquela pergunta. Nasci num povoado de 50 casas de taipa e palha de babaçu, chamado apropriadamente de Saco, no interior do Maranhão. Até os 10 anos fui praticamente analfabeto. Dos meus amigos desta primeira infância, até onde eu sei, só eu cheguei à Universidade. Muitos já morreram, antes dos 50 anos. Pelas estatísticas eu venci a mortalidade infantil, a fome, o analfabetismo, a miséria absoluta, até chegar em São Luís, aos 15 anos quando conheci o mar e a Biblioteca Pública Benedito Leite. Fiquei encantado com as palavras e desde então passei a conversar com muita gente sábia e importante na minha vida: Homero, Dante, Shakespeare, Camões, Machado de Assis, Cervantes, Platão, Sócrates… Como o homem de Platão que sai da caverna e dá de cara com o céu estrelado, eu sai do Saco e descortinei as janelas do Universo. Entendi a mecânica das engrenagens sociais e da vida. Descobri porque o pobre é pobre e o rico é rico. Descobri o poder destrutivo do preconceito: aquela idéia preconcebida ou na ignorância, ou no ódio, ou na morbidez intelectual sobre tudo e sobre todos. Esse preconceito que hoje paira sobre a cabeça da governadora Roseana como uma guilhotina pronta a destruí-la a cada passo que ela dá em direção ao meu povoado, que continua lá, com suas mesmas casas de palha, esperando que chegue escola , saúde, cidadania. Ouço a pergunta da mídia, tão carregada de preconceito quanto aquela que aquele repórter me fez, no ouvido da governadora nordestina, mulher, filha de Sarney: “Como a senhora, que nunca conheceu a pobreza, pode lutar sinceramente contra a pobreza?”
A governadora Roseana não merece essa pergunta. Sua biografia como política e ser humano transcende a simples atitude de quem exerce o poder apenas para preservar-se no poder. Só o fato dela ter se preparado a vida toda para ser política não explica o sucesso de Roseana no coração de seu povo. O seu carisma, por si só, não sustentaria por tanto tempo a confiança que a maioria dos maranhenses e boa parte do Brasil depositam nela. A propaganda do seu governo, que, ao contrário dos que apregoam os corvos de plantão, nada tem de fantasiosa, constituindo-se apenas de comunicações simples do seu trabalho à população, o que é dever de todo governante; não seria suficiente para cristalizar a sua identidade e empatia na opinião pública.
Os cientistas sociais, os clássicos da política, de Maquiavel a Max, com seus pensamentos racionais, não explicam o fenômeno sinergético entre um povo e seu líder, cuja bandeira é, acima de tudo, a voz do seu coração que se expressa com a sinceridade da alma desnuda da demagogia, sem medo de revelar-se na mais transparente autenticidade quando luta em sintonia com as aspirações populares.
É o humanismo de Roseana, não aquele humanismo anti-religioso, mas a sua visão humanitária ciente de suas limitações humanas, carente de Deus, que a aproxima do povo, interagindo com ele através da esperança em dias melhores, num novo tempo de ação construtiva. “É errado dizer que Deus criou os ricos e os pobres; Ele só criou o homem e a mulher e lhes deu toda a terra como herança” (Thomas Paine). Roseana, exatamente pela sinceridade do seu coração, apenas convoca cada maranhense, com o seu exemplo de luta por uma vida mais digna, a conquistar o seu direito sobre o chão do Maranhão, que é herança de todos.
Mas apesar de Roseana demonstrar com trabalho e até altruísmo a sinceridade de sua luta contra o nosso atraso que não é culpa sua, o preconceito, quer dos adversários, quer dentro do seu próprio grupo, a condena sem um julgamento isento.
Se Roseana é amada pelo povo é porque está enganando o povo com a propaganda, como se o povo fosse a mais pura personificação do idiotismo, ao ponto de engolir diariamente um produto podre e ainda aplaudir por isto. Se Roseana é admirada pelo resto do Brasil é porque é filha do Sarney, ex-presidente da República, personalidade nacional, como se o próprio Sarney não sofresse na carne o estigma de ser nordestino. Se Roseana é carismática, é porque sabe fazer jogo de cena, representando como uma boa atriz o papel da mulher frágil e glamourosa, como se política fosse novela de TV.
Para cada atitude de empatia de Roseana com o povo, a inteligentsia da oposição, ou do despeito, ou do pessimismo; os arautos do atraso de, direita e de esquerda, disparam um preconceito fético, como ovo podre, na imagem pública da governadora (Einstein tinha razão: “é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito”). Mas a grandeza de um pessoa mede-se, num mundo onde o homem ainda “sente a necessidade de também ser fera”, pela capacidade de doar-se aos outros mais do que simplesmente doar aos outros. E essa capacidade não se aprende nas Universidades, na riqueza ou na pobreza; aprende-se no coração, no lado humano do animal que ainda somos, cultivando a consciência de que só vale a pena viver se a nossa vida de alguma forma está compromissada com o sentido maior da existência: a busca incessante da fraternidade, por mais utópica que isto possa parecer.
Talvez o que falte aos críticos insensatos da governadora seja uma reflexão lúcida sobre a Roseana política e a Roseana Ser Humano que se solidariza com outros seres humanos. Nunca devemos perder a capacidade de nos indignarmos contra a injustiça, seja de ricos contra ricos, ou de pobres contra pobres, ricos contra pobres ou de pobres contra ricos. O mal-caratismo, a injustiça, a prepotência, o egoísmo e a arrogância, nossos sentimentos e pensamentos negativos não são privilégios de classes sociais ou culturais determinadas, eles pertencem à natureza humana em qualquer nível existencial. Existem gênios mal-caráter e ingênuos bom-caráter, ou vice-versa; santos que se tornam demônios e demônios que se tornam santos. Dentro de cada ser humano, há um monstro e um anjo: cabe a cada um de nós aprimorar ou domar o seu monstro interior e revelar ou dar asas ao seu anjo. É através dessa luta que caminhamos em direção a Deus; se vencemos as nossas fraquezas, conquistamos degraus de aperfeiçoamento do humano que há em nós, anestesiando o bicho atávico que nos arrasta para a violência, a insensatez e a autodestruição.
Qualquer líder que se acha um semideus e não tiver a humildade de reconhecer os seus limites que o humanismo lhe impõe, achando que só o poder tudo pode, estará incorrendo na miopia de Golias. O poder é apenas uma face na questão da liderança. Poder é potência e nisso não há nenhuma moralidade, que é o outro lado da legitimidade do líder. Não é na força bruta que reside o verdadeiro valor de quem comanda, mas sim na maneira como esse poder é exercido. É nos gestos de equilíbrio, no despojamento de suas idiossincrasias que o homem revela a grandeza de sua alma e a eqüidade de sua inteligência na condução dos anseios coletivos. Esse líder não paga o bem com o bem, nem o mal com mal; paga com justiça, como já disse Confúcio, cinco séculos antes de Cristo. “Para conhecer bem a natureza dos povos é necessário ser príncipe, e para conhecer a dos príncipes é necessário ser do povo” (Maquiavel).
O próprio Buda só percebeu as misérias do mundo com absoluta clareza porque era príncipe – um príncipe comprometido com a humanidade. Cristo só percebeu as misérias do mundo porque era um simples carpinteiro – um simples carpinteiro comprometido com a humanidade.
Esqueçamos, portanto, o Sarney que há em Roseana, esqueçamos a candura feminina que há em Roseana, esqueçamos a nordestina que há em Roseana, esqueçamos as idéias preconcebidas sobre Roseana. Será mais coerente, racional e produtivo julgá-la como um ser humano que se comprometeu em liderar milhões de maranhenses carentes de quase tudo rumo a dias melhores, quando poderia confortavelmente cuidar apenas de si mesma. Qualquer passo adiante é uma conquista para o Maranhão tão sofrido por só retroceder. Acima dos preconceitos, é o ser humano Roseana comprometido com os semelhantes que nos faz acreditar nela, e com ela lutar a grande luta contra o nosso atraso não só material, mas também intelectual, por acharmos que só o fracasso é o nosso destino.
Melhor que o índice do pessimismo destrutivo é o índice da confiança em nós mesmos, compartilhando as esperanças e lutas de Roseana por um novo tempo , onde o Maranhão que sonhamos viver seja o Maranhão que faremos acontecer.