GERÔ E A MORTE DA POESIA
Eis a que ponto o Brasil se degrada moral e eticamente, do Rio de Janeiro ao Maranhão. Se você é pobre, negro, se veste inadequadamente e anda pelas ruas com seus próprios pés, logo você é ladrão, bandido, bicha, maconheiro ou lixo social. E para que serve a polícia, paga com os tributos desse lixo social que é a nossa grande maioria? Serve para espancar, violentar, torturar e matar com a licença da lei, na certeza da impunidade. Onde perdemos o senso da justiça, da ética, do humanismo, da decência, da cristandade e da cidadania?
É o que pergunta o corpo estropiado do poeta popular Gerô, violentado na carne, no espírito e em todos os seus direitos de cidadão relegado à condição de uma barata não convidada ao sol e à vida que deveria ser o direito mínimo de todos, inclusive da barata.
Diante das atrocidades dos nazistas contra os judeus e as minorias nos campos de concentrações de Auschiwitz, o filósofo inglês Bertrand Russel horrorizado, disse: “Depois de Auschiwitz a poesia se tornou impossível”. Quem conhecia Gerô sabe que ele era a própria poesia na sua forma mais espontânea, mais popular e sincera. E o Auschiwitz de nossa polícia nazista o dilacerou como quem rasga um poema porque não entende os versos que humilham a ignorância dos animais insensíveis.
A morte do poeta contador de cordel Gerô, com requinte de selvageria pré-histórica, é um soco inglês no coração do povo. É um grito de horror diante da impotência que cada cidadão se acha nas ruas ou dentro de suas próprias casas. É a cara do medo engatilhado nas nossas caras desamparadas no mais completo desencanto com as instituições que criamos e sustentamos para nos devorar.
E o que nos resta, nesse deserto de cidadania repleto de medo e desamparo em que um simples poeta é torturado até a morte por ser pobre, negro e andar sonhando canções pelas ruas de São Luís?
Resta-nos um aceno a Deus, ou um último gemido de contestação, em versos panfletários de indignação aos ouvidos que porventura ainda não estejam surdos: “Brasil, és terra prometida/ mas é tão triste a tua sorte-/ enquanto no deserto há vida,/ em teu verde cresce a morte./ Tens povo, mas não tens Moisés;/ tens doce maná e terra farta,/ a esperança a teus pés,/ mas quem te manda só te mata/ de fúria e dor a cada dia-/ ao invés das flores, o fuzil;/ divina ou humana ironia-/ canaã e pátria amarga és, Brasil.”
Esmeralda Frazão
Jornalista
Av. Colares Moreira, Qda: 19 – Casa 11 – Calhau