Flávio Dino, Kafka e O PROCESSO

Josef K é um cidadão correto e inocente. Mesmo assim é processado e condenado por um tribunal misterioso que torna sua vida um inferno, levando-o à própria morte. K é personagem protagonista da obra-prima surrealista O PROCESSO, do escritor Franz Kafka. Flávio Dino é ex-juiz federal e atual governador do Maranhão. É um cidadão correto e jamais foi condenado por qualquer ato ilegal. Mas está respondendo a um PROCESSO, acusado de abuso de poder, para continuar no poder do reino Timbira nos confins do Brasil. Flávio Dino e seus defensores dizem que esse PROCESSO é pura ficção, uma peça de realismo fantástico dos adversários, inconformados com a derrota nas urnas, em 2018.

Mas, na realidade, O PROCESSO se move lá numa corte misteriosa, no Planalto, que irá julgá-lo inocente ou culpado. A cabeça de Flávio Dino está na guilhotina, nesse PROCESSO de cassação de sua vida política, dependendo, ao que parece, do seu algoz Bolsonaro (o louco, genocida, psicopata, inimigo figadal de Dino) dar o comando ao carrasco para decepar o futuro político do governador maranhense. A impressão é de que O PROCESSO de Dino está cercado de bolsonaristas por todos os lados, prontos a asfixiá-lo a qualquer momento; uma tempestade perfeita contra o ex-comunista agora socialista. Isso sem considerarmos os adversários, e até mesmo aliados, descontentes coadjuvantes querendo Dino no cadafalso, com a corda no pescoço, tornando assim, como no caso do personagem kafkiano, esse PROCESSO infernal.

Bom, por outro lado, apesar de toda essa luz vermelha ou nuvens negras sobre a cabeça do governador, várias fontes com informações privilegiadas, aqui e em Brasília, afirmam que Dino não cometeu crime algum e tem boas relações com os ministros da corte máxima eleitoral ( TSE) que , na sua maioria, não suporta o presidente Bolsonaro e agirão com a máxima justiça. Mas, sendo O PROCESSO bem fundamentado e os crimes indefensáveis, por que os ministros teriam compaixão de Dino? Que peso o Maranhão Dinista/Lulista ou outros istas tem sobre os humores do TSE?

A diferença entre O PROCESSO de Kafka e O PROCESSO do governador Flávio Dino, é que, na obra do escritor tcheco, o personagem Sr. K é totalmente inocente, mas condenado; e cá entre nós, segundo as más e até ponderadas línguas, O PROCESSO de DINO é robusto, bem fundamentado, tem crime e merece castigo .

Aí, O PROCESSO de Dino sai, portanto, do teratológico ou realismo fantástico para o realismo simplesmente puro e factível, ao alcance da lei e dos tentáculos furiosos do carrasco-genocida BOLSONARO. Neste caso, a realidade pode imitar a arte. A não ser que um jurista amigo meu, tenha razão: TODO PROCESSO É UM PROCESSO E SE VOCÊ SOUBER PROCESSAR NÃO SE PROCESSA NUNCA.

EDIVALDO HOLANDA: TERCEIRA VIA OU DESVIO?

Edivaldo Holanda não é uma terceira via: é um desvio. Se ele, de fato, se candidatar a governador e perder (muito possível) abrindo mão de uma cadeira federal certa, ficará sem mandato, deixando sua carreira política em suspense, no vácuo. Se ganhar (pouco possível), será um fenômeno, e não deverá favor a ninguém, a não ser a Deus.

Tudo isso acontecendo num partido bolsonarista, onde paira a figura de Roberto Rocha, nome preferencial no coração de Bolsonaro. E aqui, Edilázio, presidente do PSD estadual, pode estar engordando cobra para devorá-lo, pois há uma forte possibilidade, no caso de Edivaldo não avançar nas pesquisas, dele decidir candidatar-se a deputado federal, comprometendo o mandato do próprio Edilázio, afinal, o partido não teria oxigênio para eleger dois federais.

Por tais cenários, Edivaldo, desde sua postura no muro das eleições municipais, é um candidato bissexto, sem órbita definida, podendo se colidir com qualquer outro projeto de candidatura que se aproxime dele, quer majoritária, quer proporcional. Edivaldo não é uma panaceia capaz de gerar um anjo, cruzando hiena com leão.


Salvo a certeza de um mandato federal líquido e certo para si mesmo, seguir Edvaldo é seguir um desvio que pode levar ao paraíso ou a um abismo. Não há certeza nesse jogo de dados em areia movediça.

A doença dos museus

Por José Sarney

Quando eu era Governador do Maranhão e fazíamos uma verdadeira revolução urbanística em São Luís — abrindo avenidas, construindo estradas e preservando a cidade histórica —, surgiram problemas, como acontece em toda grande transformação urbana. Ouvi isto de um representante do BID quando eu pedia um empréstimo para as obras: “Governador, nosso cuidado com os financiamentos para o Brasil refere-se à qualidade dos projetos. Um bom projeto resulta em diminuição de problemas e melhora dos resultados. Toda obra tem problema.” Seguindo esta advertência, tivemos uma grande preocupação com os projetos, pois deles dependiam as dores de cabeça de uma obra. Mesmo assim não as evitamos. Naquele tempo, os problemas em São Luís foram pequenos e limitados a dois viadutos, que apresentaram duas fissuras.

Foi o bastante para que o nosso grande poeta José Chagas, que escrevia crônicas como ninguém, fizesse uma com o título “Doença dos viadutos”, que serviu para uma gozação danada. Um dos viadutos, no Bairro da Alemanha, foi logo consertado. Deixamos o outro viaduto, o João do Vale, para depois.

Mas os problemas de governar podem ser muito graves. Alguns nos cortam o coração e nos impedem de conter as lágrimas: o fogo no Museu Nacional nos levou a belíssima e jamais recuperável Coleção de Arte Indígena de Raimundo Lopes e objetos raros por ele coletados em anos de trabalho: penas labiais dos urubus, suas técnicas de rede, flechas de osso com o modelo de ferro, braceletes com folhas, pentes de pauzinhos com flores de palma, oriundos do Maranhão, consumidos para sempre.

Felizmente agora está recuperado o Museu da Língua Portuguesa, exemplo mundial das novas técnicas museológicas, num trabalho notável do governo de São Paulo e de organizações como EDP, Globo, Itaú, Sabesp. Mas nem sempre a recuperação é possível, como aconteceu agora com parte da Cinemateca Nacional, quando as chamas foram em busca da memória dos filmes e da documentação sobre o cinema nacional, como roteiros, desenhos de cenas, como se fazia à moda antiga, antes das modernas técnicas do desenho eletrônico e de suas inúmeras capacidades de corrigir, modificar ou apagar. Muitos originais do nosso Glauber Rocha estavam entre os perdidos para sempre.

Assim a memória nacional e a nossa cultura desaparecem nas chamas, que destroem as obras de arte e o trabalho daqueles que, por tantos anos, dedicaram suas vidas para a pesquisa e preservação da memória artística e cultural do País.

Cito, para lembrar a preferência do fogo pelos museus, o incêndio do Museu de Arte Moderna do Rio, no aterro do Flamengo, que destruiu um acervo valioso, reunido com dificuldade — e, claro, irrecuperável. Lembro-me que Sanguinetti, ex-Presidente do Uruguai e grande conhecedor de pintura, lamentava que naquele incêndio tenham sido destruídas muitas obras do Pedro Figari, importante pintor uruguaio, que o Museu detinha.

Mas há por trás disso tudo descaso, desleixo e abandono. Nossos museus vivem de pires na mão, a mendigar verbas a incompetentes e despreparados, gente que não tem apreço pela arte e pela cultura, que as deixam desaparecer e que não aparecem na hora de assumir a responsabilidade.

Saudades que não passam

Por José Sarney

Vou fazer um interregno entre os temas políticos, as Olimpíadas, que mobilizam todas as atenções, e as mazelas nacionais, para abordar um tema pessoal que mexe com meus sentimentos e faz parte dos amores da minha vida.

Passei um ano e meio sem vir ao Maranhão, condenado ao isolamento domiciliar, sem culpa nenhuma, sem poder sair de casa pelo medo da pandemia. Fiquei ali, debruçado sobre meus livros e a minha compulsão de escrever, e tive medo de tudo, mas o que mais me tocou a vaidade e o cotidiano foi o medo de perder o prazer de andar. Desaprendi de andar e passei lutando para reaprender a levantar os pés do chão, para não ficar com aquele andar de velho, arrastando os pés.

Quando me perguntavam o porquê de minha reclusão tão forte dizia que era o desejo de ajudar o Criador a manter-me por mais alguns anos com o gosto da vida. E acrescentava, já com o otimismo de que era lá que o Criador me receberia: — Com a minha idade, se eu tiver alguma coisa, estou com o pé no Céu. Os inimigos diziam “com o pé no inferno”. Eu replicava que não tenho inimigos, tive só adversários e estou acabando com todos: cumprindo o pedido de Deus “perdoai os seus inimigos”, já perdoei a todos. Deus foi tão generoso comigo que nunca poderia negar-Lhe esse pedido, já que Ele me deu um temperamento voltado a amar o próximo e ser dado ao diálogo, a compreender os outros e nunca desejar mal a ninguém.

E durante esse período levei o mais longo tempo de minha vida sem vir à terra onde abri os olhos para o mundo: o Maranhão. Cunhei uma frase que caracteriza esse meu amor ao Maranhão, dizendo que era minha terra e minha paixão e, quando estou fora, não passo um dia sem ter saudades dele.

Nesse tempo em que não saía de casa, comecei a sentir de tudo, solidão, banzo, tristeza, dores nos braços, nas pernas, nas costas. Minha grande médica, que me assiste em Brasília, Dra. Núbia Vieira, já quase não tolerando mais as minhas queixas e não encontrando motivos para tantos males, disse-me — ajudada pelo frio danado que passou a fazer ali, com temperaturas não raro abaixo de 10º — que tinha chegado a um diagnóstico sobre meus males: “Sabe o que você tem e eu descobri como uma das mais raras doenças? Saudade. E para o que lhe falta não há melhor remédio que o descoberto pelos antigos: o calor do seu Maranhão.” Santo remédio! Não é que estão me julgando mais jovem, mais alegre e mais bonito?…

Arrumei as malas e meus trens, a modo de Minas, e vim passar uma temporada aqui, vendo “o mar do Maranhão / …onde o céu caiu no chão”, copiando a canção do Nonato Buzar.

Mas não podia terminar este artigo sem dizer que o Amapá, minha segunda terra, é também uma saudade que não passa.

SARNEY, O SÁBIO DA NOSSA DEMOCRACIA

Cipião, o africano (236 a.C), foi um general, estadista e político romano. Herói glorificado por ter derrotado Aníbal, o lendário general cartaginês. Por intrigas no poder, foi, injustamente acusado de corrupção. Diante da ingratidão dos seus compatriotas, magoado, se autoexilou fora das fronteiras de Roma. Pediu que o enterrasse numa depressão e escrevesse em sua lápide: “Pátria ingrata, não passuirás meus ossos.” Até hoje, as pessoas, numa reverência forçada, se curvam para ver sua lápide e ler a sua frase amargurada.”

Sarney, o sábio, o estadista, o Atlas de nossa redemocratizacão, tantas vezes apedrejado, incompreendido e injusticado, com toda razão e cheio de mágoas, teria todos os motivos para repetir Cipião, num autoexílio da vida pública à qual dedicou quase toda sua existência.

Ninguém mais do que Sarney, na história recente do Brasil, foi tão apunhalado pelos ingratos da nação: o punhal da imprensa odienta, o punhal do preconceito aos nordestinos, o punhal dos intelectualoides sobre o escritor maranhense, o punhal dos seus pares em pleno Congresso Nacional, o punhal do obscurantismo sobre a sabedoria do estadista e defensor paciente da democracia brasileira…

Ninguém mais do que Sarney, acusado de construir trilhos que ligam o nada a lugar nenhum e escrever livros que ninguém lê por motivo algum, todos, cheios de preconceitos contra um; ninguém mais do que Sarney, diante de tantas ofensas e incompreensões selvagens, teria justificado direito de repetir Cipião, diante da ingratidão dos seus compatriotas: “Pátria ingrata, não passuirás meus ossos.”

No entanto, ninguém mais do que Sarney, humildemente, soube suportar essa travessia de chumbo de nossa democracia, repetindo sempre a si mesmo, ainda que em momentos de aparente luz na tempestade: “José, lembra-te que és mortal, lembra-te que és mortal.”

Ninguém mais do que Sarney merece a razão do tempo e da nossa História, agora quando todos o procuram como O SÁBIO DE NOSSA DEMOCRACIA.

Sarney, hoje, caminhando para os seus noventa e dois anos, nos lembra aquele sábio que tinha resposta para tudo, e que foi testado por um menino travesso: ” Vou segurar um passarinho em minhas mãos para trás e perguntar ao mestre se o passarinho está vivo ou morto. Se o mestre disser que está vivo, esmago o passarinho e o mostro morto; se disser que está morto, mostro o passarinho vivo.” Ao perguntar ao mestre, com as mãos para trás, se o passarinho estava vivo ou morto, o mestre olhou fundo nos olhos do menino, e disse: “Meu rapaz, a resposta está em suas mãos. “
Provavelmente, a mesma resposta que Sarney deu ao Lula e ao Bolsonaro quando o visitaram com a nação brasileira em suas mãos temerárias para trás: “A resposta, Lula; a resposta, Bolsonaro, está em suas mãos .”

Sarney sabe, para além de suas próprias mágoas e das mágoas de Cipião, que o ódio e o amor, como dois lobos em eterna luta, conduzem os caminhos do homem e das nações, e que o lobo que mais vence é aquele que nós mais o alimentamos. Daí, Sarney dizer sempre que jamais governou com ódio ou mágoa em suas mãos.

Na longa vida do Sarney, enfim, prevalece o humanista e o poeta: a Pátria amada sem mágoas e sem ódio no coração.

Ao contrário de Cipião, tal qual Sidarta de Hermann Hesse, recolhido à margem do Rio Pericumã, na baixada maranhense, contemplando o céu espelhado no manso deslizar das águas em direção ao mar, Sarney diria (apesar de tudo), com seus próprios versos, com profunda humildade e reverência ao divino, sobre tudo que viveu, entre mágoas e redenção: “TENHO um encontro com Deus: /— José!/ onde estão tuas mãos que eu enchi de estrelas?/ — Estão aqui, neste balde de juçaras e sofrimentos.

Ave, Sarney! Teus contemporâneos e a posteridade te saúdam.

FLÁVIO DINO, WEVERTON, BRANDÃO… REUNIÃO DO FAZ DE CONTA

A reunião entre Flávio Dino e líderes aliados, incluindo aí os principais postulantes ao cargo de governador no grupo governista, não produziu nenhum efeito novo no cenário sucessório. Como diria Lampedusa: mudar tudo para continuar tudo como estava, ou, no popular: tudo como dantes no quartel de Abrantes. Isto significa que Weverton e Brandão vão continuar medindo força nesse cabo de guerra, tensionando uma corda já à beira da exaustão. O jogo do faz de conta continua.

O governador Flávio Dino faz de conta que comanda o jogo e que tem a vara de condão para manter o seu grupo unido. O Weverton Rocha faz de conta que é comandado e obedece o líder incondicionalmente. O Carlos Brandão faz de conta que vai rezar exclusivamente pela cartilha do seu professor e professor de Deus, mas sabe que um depende do outro simbioticamente. Enquanto isso, todos sabem que não há mais cartas na manga que se mantenham em segredo, não há mais Coelho na cartola: as últimas eleições municipais revelaram todos os truques dos Mandraques pretendentes ao trono, todos de cabeças de fora.

Enquanto isso, ninguém desconhece que nesse Game Of Trone tupiniquim, a partir da largada, que já foi dada, só restam as cordas a serem esticadas a cada dia, até se arrebentarem nas mãos do governador, impotente diante da ruptura, expondo a fratura de um grupo inevitavelmente rachado.

Um efeito bumerangue, já que o governador Flávio Dino demorou muito a pôr os pés no chão, enquanto sonhava em conquistar os céus do Planalto, e tal qual o filósofo Tales de Mileto, tropeçou em um buraco. Não muito longe desse cabo de guerra, espreitando, lobos famintos traçam suas estratégias para entrarem também nesse jogo de bola dividida, de caça aos votos sem curral. Isso tudo acontecendo, sem combinar com o povo, ou com os russos, como diria Garrincha.

O TRADUZIR-SE DE ROSEANA

Em pesquisa recente do DATAILHA, do Jornal Pequeno, Roseana continua em primeiro lugar na preferência dos maranhenses na eleição de 2022 para governador, dez pontos à frente de Weverton, o segundo. Parece, após três amostragens de institutos diferentes, em datas diferentes, que essa preferência está se cristalizando, a exemplo do que aconteceu com o atual prefeito Eduardo Braide.

Quais as causas desse fenômeno, desse RECALL favorável à Roseana, que sequer disse, ainda, que é candidata a governadora? Para onde foi a tal catinga do Sarney? Virou perfume na Rosa da Esperança? Uma pesquisa qualitativa talvez dê boas respostas a essas e outras indagações.

Mas alguns sinais são visíveis a olho nu de qualquer eleitor. O governador Flávio Dino não moldou seu sucessor no tempo certo, talvez na esperança de que Márcio Jerry, seu candidato ideal, fosse ocupando esse espaço naturalmente, o que não aconteceu, e agora, Inês já morta, é tarde para acontecer.

Com um racha evidente dentro do grupo dinista, fratura exposta e insanável, o governador tem aprovação popular muito boa, mas não consegue transferir essa aprovação automaticamente a um candidato indicado por ele, o que faz a população, aí sim, lembrar automaticamente de Roseana que fez gestões exitosas no passado, sendo, para o eleitorado, Porto Seguro e não uma aventura diante de nossa realidade tão nebulosa.

Claro que o governador tem o Carlos Brandão, com todo seu potencial de agregamento e amplas alianças possíveis, sentado na cadeira do poder com um Flávio Dino bem avaliado ao seu lado, e um pragmático Márcio Jerry construindo pontes (três bons mosqueteiros, portanto). Mas já não é sopa no mel, favas contadas, “O Estado sou eu.”

Sangrando internamente, apagando o fogo amigo, o governador tem que tocar sino e acompanhar procissão. O esforço, agora, em plena premência de tempo, será redobrado, hercúleo. O marketing será redobrado, o discurso será redobrado, a missão pela pacificação interna será redobrada, a humildade também, a sabedoria também.

O dividir para governar está feito pelas próprias disputas autofágicas e internas do governo. Mas quem governará? O povo, com olhos atentos de quem tem o veredito final, está traduzindo todo esse cenário. A Roseana, também; lembrada e lembrando o poeta, a propósito do ser, e da política também: “Uma parte de mim pesa, pondera…/Uma parte de mim é permanente;/outra parte se sabe de repente./Traduzir uma parte na outra parte-/que é uma questão de vida ou morte-/será arte?”

Bolsonaro será julgado por crimes contra a humanidade

Entrevista do presidente Jair Bolsonaro após a posse do novo ministro da Saúde, Nelson Teich, na porta do Palácio da Alvorada. Sérgio Lima/Poder360 16.04.2020

Tribunal Internacional de Haia acatou denúncia contra o presidente brasileiro e agora analisa se sua atuação no governo pode ser apontado como genocídio; Corte recebe pressão global pelo julgamento

As ações do presidente Jair Bolsonaro – ou a falta delas – têm fortalecido o processo contra ele, que tramita no Tribunal Internacional de Haia, por crimes contra a humanidade.

O julgamento de Bolsonaro ganhou força depois que o Brasil alcançou a marca de 500 mil mortos pela CoVID-19.

Essa marca repercutiu no mundo inteiro, com manifestações de lideranças políticas globais, mas com absoluto silêncio por parte do governo brasileiro. 

A denúncia contra Bolsonaro foi protocolada no Tribunal Penal Internacional de Haia ainda em, novembro de 2019, pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos e pela Comissão Arns, organizações de defesa dos direitos humanos no Brasil. (Entenda aqui)

Á época, ainda nem havia se instalado no mundo a pandemia de coronavírus; de lá para cá, o crescimento no número de mortes e a postura de Bolsonaro diante do avanço da CoVID-19 só contribuíram para reforçar o processo. 

Neste domingo, 20, manifestações internacionais cobraram o julgamento do presidente brasileiro, inclusive com manifestações públicas na Europa.

A imprensa internacional também destaca cada vez mais a postura negacionista do presidente.

O processo contra Bolsonaro em Haia – o primeiro contra um presidente no exercício do mandato – está na fase da Avaliação Preliminar de Jurisdição; após esta fase, a Procuradoria do Tribunal Penal Internacional analisa a admissibilidade da denúncia.

Na terceira etapa o TPI decide se há interesse da Justiça no caso.

Além da acusação direta por crimes contra a humanidade, Bolsonaro é denunciado também por incitação ao genocídio dos povos indígenas.

E a postura que ele e seu governo adotaram desde que foi denunciado só corroboram as acusações…

Fonte: Marco D’Eça

O cansaço da solidão

Por José Sarney

O mundo começa a se recuperar, com alívio, de um dos maiores problemas da pandemia: o cansaço da solidão, o desgaste psicológico do isolamento. Infelizmente, aqui no Brasil, ainda vamos continuar nessa provação de ficar longe da família, dos amigos, dos companheiros de trabalho, de toda a sociedade.

Há um ano, ainda no espanto com as dimensões da doença, eu lamentava o meio milhão de mortos no mundo. Hoje esse é o número no Brasil. Há mais de um milhão de pessoas em tratamento, as UTIs estão cheias, e os dezesseis milhões que já tiveram a doença ainda sofrem com ela.

Logo no começo da pandemia se pensava na dificuldade de conseguir a vacina, imaginando que logo estaríamos livres da quarentena. A vacina veio mais rápido do que o previsto, mas, como não seguimos os cientistas, ainda temos que repetir: “A única solução é evitar o contágio, com o isolamento, e, fora dele, com o uso de máscaras por todas as pessoas.”

Ao longo desse isolamento tenho escrito sobre solidão. Falei de como esse sentimento vinha misturado com medo, crescendo dentro de nós a falta dos amigos e de como não fomos feitos para isso.

Quando surgimos como espécie distinta entre os hominídeos, já éramos há muitos milhões de anos animais sociais. Cada vez mais fomos contando uns com os outros, enriquecidos pelo sentimento de solidariedade e colaboração. Juntos ficamos fortes para caçar e competentes para cultivar. Assim pudemos começar a construir habitações e com elas fazer cidades. Mais ainda, foi por e para podermos colaborar que desenvolvemos linguagens, seja numa mutação, como crê Chomsky, seja aos poucos, como na hipótese do altruísmo recíproco, que aliás se baseia na necessidade de honestidade — isto é, nada de mentira ou fake news.

Na sociedade em que nos juntamos para sobreviver, há os que se isolam, em um espiritualismo intenso. O cristianismo está povoado de eremitas e anacoretas, de São Jerônimo a Charles de Foucauld, mas Lao Zi, fundador do taoísmo, o fizera muito antes.

Mas o comum dos mortais, como nós, não sabe viver em isolamento. Por mais que professemos, como faço e pratico, o nosso amor pelo livro — ou pela música, pelos jogos solitários ou o que seja —, há o momento em que precisamos de ter o contato direto com outras pessoas, com outras almas.

Já lamentava o poeta: “Alma minha gentil, que te partiste … E viva eu cá na terra sempre triste.” Vivemos tristes o tempo todo, pois são tantos os amigos que partiram e mais ainda os amigos que não vemos, com quem não estamos, que corremos o risco de nos amofinar no desencanto do viver.

Mas temos que sacudir esse sentimento. Vencer a doença tem que ser nossa prioridade, nem pensar em sermos por ela derrotados. Sem esquecer as que ficaram pelo caminho, em nome de cada uma e de todas as quinhentas mil vítimas, temos que lutar para sobreviver, e sobreviver formando uma sociedade mais justa, em que a língua sirva para dizer a verdade e para construir a justiça social.

Estamos cansados, cansados de solidão, mas ainda temos fé. E fazendo o que sempre aconselho — vacina, máscara, isolamento —, vamos acabar com a solidão e o com o cansaço.

Flávio Dino e o gato de Schrödinger

O GATO DE SCHRÖDINGER está dentro de uma caixa à mercê da incerteza energética da mecânica quântica. Logo, pelo nosso senso comum, aqui de fora, nunca sabemos se o gato está vivo ou morto. A única certeza, neste caso, é a dúvida, o paradoxo. Isso, leigamente falando, lembra o comportamento das nuvens, sempre instáveis, e da política, sempre flertando o imponderável; lembrando, portanto, o governador Flávio Dino que acaba de dar o PULO DO GATO DE SCHRÖDINGER, quando salta do PCdoB para o PSB, fazendo malabarismo sem rede de proteção.

   Esse salto mortal triplo carpado de Flávio Dino, em tempos de Olimpíadas, pode levá-lo a novos recordes dos seus sonhos de poder, mas pode, também, arremessá-lo na roleta-russa de um salto no escuro, onde a única certeza é de que nunca mais suas convicções políticas serão como antes, deixando muitos aliados órfãos, perdidos e, consequentemente, logo logo achados por outros líderes interessados no estouro da mudança.

  Não dá para se fazer um Strike sem embaralhar os pinos do jogo, ou fazer omelete sem quebrar os ovos, como dizia a vovó. Antes desse salto do GATO DE SCHRÖDINGER, Flávio Dino jogava boliche, mais previsível de saber-se sobre causa e efeito. Depois do salto do GATO DE SCHRÖDINGER, ele jogará pinball, mais difícil de saber onde a bolinha se posicionará na modernidade líquida de Zygmunt Bauman, tudo fragmentado, pulverizado e dessincronizado.

    Antes, no comando do PCdoB, o governador Flávio Dino era uma estrela solitária, o rei Sol, aglutinando o seu grupo e aliados, sob sua atração gravitacional. Agora, deslocado dessa órbita, fará parte de uma constelação, deixará de ser protagonista para ser coadjuvante, no script de novos diretores, em mares turvos, infestados de tubarões. O governador Flávio Dino escolheu Alexandre, o Grande (A sorte favorece os destemidos e ousados), e não Júlio César (Melhor ser o primeiro numa província do que ser o segundo em Roma).

   No entanto, finalmente, é bom lembrar que Deus não joga dados (Einstein), e supor-se que o professor de Deus, também não. Vai que, pela lei de Murphy, esse gato não é o de SCHRÖDINGER, mas aquele negro gato da vovó que ao cair de qualquer muro, obstáculo ou trapézio sempre cai de pé. A política, às vezes, é também a arte do possível, em pleno acordo com a maçã tridimensional de Isaac Newton. Mas o governador Flávio Dino, nessa metamorfose ambulante, sabe disso; ele nasceu dez mil anos atrás… não é mesmo, Raul Seixas?