Flávio Dino, Kafka e O PROCESSO

Josef K é um cidadão correto e inocente. Mesmo assim é processado e condenado por um tribunal misterioso que torna sua vida um inferno, levando-o à própria morte. K é personagem protagonista da obra-prima surrealista O PROCESSO, do escritor Franz Kafka. Flávio Dino é ex-juiz federal e atual governador do Maranhão. É um cidadão correto e jamais foi condenado por qualquer ato ilegal. Mas está respondendo a um PROCESSO, acusado de abuso de poder, para continuar no poder do reino Timbira nos confins do Brasil. Flávio Dino e seus defensores dizem que esse PROCESSO é pura ficção, uma peça de realismo fantástico dos adversários, inconformados com a derrota nas urnas, em 2018.

Mas, na realidade, O PROCESSO se move lá numa corte misteriosa, no Planalto, que irá julgá-lo inocente ou culpado. A cabeça de Flávio Dino está na guilhotina, nesse PROCESSO de cassação de sua vida política, dependendo, ao que parece, do seu algoz Bolsonaro (o louco, genocida, psicopata, inimigo figadal de Dino) dar o comando ao carrasco para decepar o futuro político do governador maranhense. A impressão é de que O PROCESSO de Dino está cercado de bolsonaristas por todos os lados, prontos a asfixiá-lo a qualquer momento; uma tempestade perfeita contra o ex-comunista agora socialista. Isso sem considerarmos os adversários, e até mesmo aliados, descontentes coadjuvantes querendo Dino no cadafalso, com a corda no pescoço, tornando assim, como no caso do personagem kafkiano, esse PROCESSO infernal.

Bom, por outro lado, apesar de toda essa luz vermelha ou nuvens negras sobre a cabeça do governador, várias fontes com informações privilegiadas, aqui e em Brasília, afirmam que Dino não cometeu crime algum e tem boas relações com os ministros da corte máxima eleitoral ( TSE) que , na sua maioria, não suporta o presidente Bolsonaro e agirão com a máxima justiça. Mas, sendo O PROCESSO bem fundamentado e os crimes indefensáveis, por que os ministros teriam compaixão de Dino? Que peso o Maranhão Dinista/Lulista ou outros istas tem sobre os humores do TSE?

A diferença entre O PROCESSO de Kafka e O PROCESSO do governador Flávio Dino, é que, na obra do escritor tcheco, o personagem Sr. K é totalmente inocente, mas condenado; e cá entre nós, segundo as más e até ponderadas línguas, O PROCESSO de DINO é robusto, bem fundamentado, tem crime e merece castigo .

Aí, O PROCESSO de Dino sai, portanto, do teratológico ou realismo fantástico para o realismo simplesmente puro e factível, ao alcance da lei e dos tentáculos furiosos do carrasco-genocida BOLSONARO. Neste caso, a realidade pode imitar a arte. A não ser que um jurista amigo meu, tenha razão: TODO PROCESSO É UM PROCESSO E SE VOCÊ SOUBER PROCESSAR NÃO SE PROCESSA NUNCA.

EDIVALDO HOLANDA: TERCEIRA VIA OU DESVIO?

Edivaldo Holanda não é uma terceira via: é um desvio. Se ele, de fato, se candidatar a governador e perder (muito possível) abrindo mão de uma cadeira federal certa, ficará sem mandato, deixando sua carreira política em suspense, no vácuo. Se ganhar (pouco possível), será um fenômeno, e não deverá favor a ninguém, a não ser a Deus.

Tudo isso acontecendo num partido bolsonarista, onde paira a figura de Roberto Rocha, nome preferencial no coração de Bolsonaro. E aqui, Edilázio, presidente do PSD estadual, pode estar engordando cobra para devorá-lo, pois há uma forte possibilidade, no caso de Edivaldo não avançar nas pesquisas, dele decidir candidatar-se a deputado federal, comprometendo o mandato do próprio Edilázio, afinal, o partido não teria oxigênio para eleger dois federais.

Por tais cenários, Edivaldo, desde sua postura no muro das eleições municipais, é um candidato bissexto, sem órbita definida, podendo se colidir com qualquer outro projeto de candidatura que se aproxime dele, quer majoritária, quer proporcional. Edivaldo não é uma panaceia capaz de gerar um anjo, cruzando hiena com leão.


Salvo a certeza de um mandato federal líquido e certo para si mesmo, seguir Edvaldo é seguir um desvio que pode levar ao paraíso ou a um abismo. Não há certeza nesse jogo de dados em areia movediça.

A doença dos museus

Por José Sarney

Quando eu era Governador do Maranhão e fazíamos uma verdadeira revolução urbanística em São Luís — abrindo avenidas, construindo estradas e preservando a cidade histórica —, surgiram problemas, como acontece em toda grande transformação urbana. Ouvi isto de um representante do BID quando eu pedia um empréstimo para as obras: “Governador, nosso cuidado com os financiamentos para o Brasil refere-se à qualidade dos projetos. Um bom projeto resulta em diminuição de problemas e melhora dos resultados. Toda obra tem problema.” Seguindo esta advertência, tivemos uma grande preocupação com os projetos, pois deles dependiam as dores de cabeça de uma obra. Mesmo assim não as evitamos. Naquele tempo, os problemas em São Luís foram pequenos e limitados a dois viadutos, que apresentaram duas fissuras.

Foi o bastante para que o nosso grande poeta José Chagas, que escrevia crônicas como ninguém, fizesse uma com o título “Doença dos viadutos”, que serviu para uma gozação danada. Um dos viadutos, no Bairro da Alemanha, foi logo consertado. Deixamos o outro viaduto, o João do Vale, para depois.

Mas os problemas de governar podem ser muito graves. Alguns nos cortam o coração e nos impedem de conter as lágrimas: o fogo no Museu Nacional nos levou a belíssima e jamais recuperável Coleção de Arte Indígena de Raimundo Lopes e objetos raros por ele coletados em anos de trabalho: penas labiais dos urubus, suas técnicas de rede, flechas de osso com o modelo de ferro, braceletes com folhas, pentes de pauzinhos com flores de palma, oriundos do Maranhão, consumidos para sempre.

Felizmente agora está recuperado o Museu da Língua Portuguesa, exemplo mundial das novas técnicas museológicas, num trabalho notável do governo de São Paulo e de organizações como EDP, Globo, Itaú, Sabesp. Mas nem sempre a recuperação é possível, como aconteceu agora com parte da Cinemateca Nacional, quando as chamas foram em busca da memória dos filmes e da documentação sobre o cinema nacional, como roteiros, desenhos de cenas, como se fazia à moda antiga, antes das modernas técnicas do desenho eletrônico e de suas inúmeras capacidades de corrigir, modificar ou apagar. Muitos originais do nosso Glauber Rocha estavam entre os perdidos para sempre.

Assim a memória nacional e a nossa cultura desaparecem nas chamas, que destroem as obras de arte e o trabalho daqueles que, por tantos anos, dedicaram suas vidas para a pesquisa e preservação da memória artística e cultural do País.

Cito, para lembrar a preferência do fogo pelos museus, o incêndio do Museu de Arte Moderna do Rio, no aterro do Flamengo, que destruiu um acervo valioso, reunido com dificuldade — e, claro, irrecuperável. Lembro-me que Sanguinetti, ex-Presidente do Uruguai e grande conhecedor de pintura, lamentava que naquele incêndio tenham sido destruídas muitas obras do Pedro Figari, importante pintor uruguaio, que o Museu detinha.

Mas há por trás disso tudo descaso, desleixo e abandono. Nossos museus vivem de pires na mão, a mendigar verbas a incompetentes e despreparados, gente que não tem apreço pela arte e pela cultura, que as deixam desaparecer e que não aparecem na hora de assumir a responsabilidade.

Saudades que não passam

Por José Sarney

Vou fazer um interregno entre os temas políticos, as Olimpíadas, que mobilizam todas as atenções, e as mazelas nacionais, para abordar um tema pessoal que mexe com meus sentimentos e faz parte dos amores da minha vida.

Passei um ano e meio sem vir ao Maranhão, condenado ao isolamento domiciliar, sem culpa nenhuma, sem poder sair de casa pelo medo da pandemia. Fiquei ali, debruçado sobre meus livros e a minha compulsão de escrever, e tive medo de tudo, mas o que mais me tocou a vaidade e o cotidiano foi o medo de perder o prazer de andar. Desaprendi de andar e passei lutando para reaprender a levantar os pés do chão, para não ficar com aquele andar de velho, arrastando os pés.

Quando me perguntavam o porquê de minha reclusão tão forte dizia que era o desejo de ajudar o Criador a manter-me por mais alguns anos com o gosto da vida. E acrescentava, já com o otimismo de que era lá que o Criador me receberia: — Com a minha idade, se eu tiver alguma coisa, estou com o pé no Céu. Os inimigos diziam “com o pé no inferno”. Eu replicava que não tenho inimigos, tive só adversários e estou acabando com todos: cumprindo o pedido de Deus “perdoai os seus inimigos”, já perdoei a todos. Deus foi tão generoso comigo que nunca poderia negar-Lhe esse pedido, já que Ele me deu um temperamento voltado a amar o próximo e ser dado ao diálogo, a compreender os outros e nunca desejar mal a ninguém.

E durante esse período levei o mais longo tempo de minha vida sem vir à terra onde abri os olhos para o mundo: o Maranhão. Cunhei uma frase que caracteriza esse meu amor ao Maranhão, dizendo que era minha terra e minha paixão e, quando estou fora, não passo um dia sem ter saudades dele.

Nesse tempo em que não saía de casa, comecei a sentir de tudo, solidão, banzo, tristeza, dores nos braços, nas pernas, nas costas. Minha grande médica, que me assiste em Brasília, Dra. Núbia Vieira, já quase não tolerando mais as minhas queixas e não encontrando motivos para tantos males, disse-me — ajudada pelo frio danado que passou a fazer ali, com temperaturas não raro abaixo de 10º — que tinha chegado a um diagnóstico sobre meus males: “Sabe o que você tem e eu descobri como uma das mais raras doenças? Saudade. E para o que lhe falta não há melhor remédio que o descoberto pelos antigos: o calor do seu Maranhão.” Santo remédio! Não é que estão me julgando mais jovem, mais alegre e mais bonito?…

Arrumei as malas e meus trens, a modo de Minas, e vim passar uma temporada aqui, vendo “o mar do Maranhão / …onde o céu caiu no chão”, copiando a canção do Nonato Buzar.

Mas não podia terminar este artigo sem dizer que o Amapá, minha segunda terra, é também uma saudade que não passa.

O TRADUZIR-SE DE ROSEANA

Em pesquisa recente do DATAILHA, do Jornal Pequeno, Roseana continua em primeiro lugar na preferência dos maranhenses na eleição de 2022 para governador, dez pontos à frente de Weverton, o segundo. Parece, após três amostragens de institutos diferentes, em datas diferentes, que essa preferência está se cristalizando, a exemplo do que aconteceu com o atual prefeito Eduardo Braide.

Quais as causas desse fenômeno, desse RECALL favorável à Roseana, que sequer disse, ainda, que é candidata a governadora? Para onde foi a tal catinga do Sarney? Virou perfume na Rosa da Esperança? Uma pesquisa qualitativa talvez dê boas respostas a essas e outras indagações.

Mas alguns sinais são visíveis a olho nu de qualquer eleitor. O governador Flávio Dino não moldou seu sucessor no tempo certo, talvez na esperança de que Márcio Jerry, seu candidato ideal, fosse ocupando esse espaço naturalmente, o que não aconteceu, e agora, Inês já morta, é tarde para acontecer.

Com um racha evidente dentro do grupo dinista, fratura exposta e insanável, o governador tem aprovação popular muito boa, mas não consegue transferir essa aprovação automaticamente a um candidato indicado por ele, o que faz a população, aí sim, lembrar automaticamente de Roseana que fez gestões exitosas no passado, sendo, para o eleitorado, Porto Seguro e não uma aventura diante de nossa realidade tão nebulosa.

Claro que o governador tem o Carlos Brandão, com todo seu potencial de agregamento e amplas alianças possíveis, sentado na cadeira do poder com um Flávio Dino bem avaliado ao seu lado, e um pragmático Márcio Jerry construindo pontes (três bons mosqueteiros, portanto). Mas já não é sopa no mel, favas contadas, “O Estado sou eu.”

Sangrando internamente, apagando o fogo amigo, o governador tem que tocar sino e acompanhar procissão. O esforço, agora, em plena premência de tempo, será redobrado, hercúleo. O marketing será redobrado, o discurso será redobrado, a missão pela pacificação interna será redobrada, a humildade também, a sabedoria também.

O dividir para governar está feito pelas próprias disputas autofágicas e internas do governo. Mas quem governará? O povo, com olhos atentos de quem tem o veredito final, está traduzindo todo esse cenário. A Roseana, também; lembrada e lembrando o poeta, a propósito do ser, e da política também: “Uma parte de mim pesa, pondera…/Uma parte de mim é permanente;/outra parte se sabe de repente./Traduzir uma parte na outra parte-/que é uma questão de vida ou morte-/será arte?”

Sarney e o Poeminha do Contra

A escritora Arlete Nogueira da Cruz Machado e eu estivemos com o ex-presidente José Sarney, em seu apartamento, na Ponta d’Areia. A manhã do dia três de abril estava iluminada e dava pra ver no horizonte trinta navios repousando na Baía de São Marcos, lembrando os barquinhos da infância, agora, ali, na calma poesia da sempre São Luís, Ilha do Amor.

Fiquei impressionado com o poeta, escritor, político e intelectual José Sarney, não pela sua genialidade múltipla, que já conheço e acompanho há  décadas; mas pela sua vitalidade, lucidez, senso de humor e entusiasmo pela vida, tudo isso próximo dos seus oitenta e oito anos de idade. O Sarney morrível, parecia traduzir nos olhos vibrantes de um poeta sonhador, a imortalidade daqueles que imprimem na humanidade um rastro indelével e inesquecível. Para contrariedade dos que o invejam e para admiração dos que o respeitam e o amam.

Arlete, Sarney e eu, não falamos de política, de poder, de ingratidão, de traição, de ódio, de intolerância… Falamos de literatura somente, como três poetas iniciantes, contemplando e ainda estudando as metáforas do horizonte atlântico e profundo da Baía de São Marcos.

Mas, naquele instante, inadvertidamente, não pude deixar de lembrar, olhando o semblante sábio do decano poeta Sarney, o que dissera o também poeta Mário Quinta sobre a imortalidade e a incompreensão dos que não deixarão rastro na história humana: “Todos esses que aí estão/Atravancando o meu caminho,/Eles passarão…/Eu passarinho!”