PÁTRIA AMARGA, BRASIL

ANJO TORTO

Eu sou apenas Um menino,
A inocência que mendiga
Aos responsáveis pelo meu brutal destino.
Sou apenas um anjo torto
que germinou do lixo social
à procura de luz, de afeto; quase morto,
querendo ser gente, mas crescendo como animal.
Olho o futuro, e ao invés do sonho,
vejo-me solitário em solitária
por crimes tão medonhos
que aprendi na escola-penitenciária.
E, no entanto, você que julgou a minha vida,
negando-me todos os direitos, inclusive a Cristo,
é o responsável pela minha infância apodrecida,
crescendo fera, anti-humano, virando bicho.

 

 


 

SELVAGENS

Filhos do tempo
e irmão das árvores,
nus ao vento
na América virginal,
a vida não tinha fronteira,
a terra não tinha quintal
e todos os caminhos
levavam à liberdade.
Selvagens ou feras?
Homens ou animais?
Senhores das selvas
e nada mais!
Até que um dia
os ci”fi”lizados
de deuses disfarçados
como oferendas mentirosas
como anjos, se aproximaram.
Selvagens, selvagens, selvagens!
Com a fúria da pólvora,
com o fogo da fé,
com a fome do ouro,
em nome da força,
da América se apossaram.
E os irmãos dos pássaros,
filhos do sol e da lua,
e senhores das florestas,
onde estão com suas flechas?
Mendigam pelos séculos
Aos deuses civilizados
um pouco da terra que é sua,
e morrem um a um
sem caça e sem pão,
sem flecha e sem maracá,
como os mico-dourados em extinção.

 


COMENTÁRIOS
Uma canção de protesto

 

Alex Brasil escolheu a poesia como forma de protesto. É sua inconformação com o que é injusto que busca o instrumento da palavra para exprimir seu sentimento de revolta com a vida e os mecanismos da sociedade.

Alex Brasil tem uma biografia rica. Nasceu no interior do Estado, no município de Codó, e cumpriu um caminho de grandes lutas. Sua inconformação se manifesta na mutação constante dos seus afazeres. Vai de bancário à televisão, jornal, propaganda, sem perder seu gosto pela literatura, escrevendo poesia, na busca de defender o oprimido contra o opressor, numa permanente irresignação com a ordem estabelecida.

Agora, surge este livro Pátria Amarga, Brasil que, em vez de ser um canto de guerra, é uma canção, por caminhos da palavra contundente, desejando que tudo se transforme e sejamos melhores e mais justos.

Desejo que este livro encontre bons ouvidos para frutificar os nossos desejos de uma pátria mais humana e bela. Se isso acontecera, poesia já terá tido mais força do que a oratória.

José Sarney

 

 

O carvão e abrasa de Alex Brasil

Alex Brasil não trabalha o poema pelo poema, como parece ser o vezo de muitos hoje em dia, que se satisfazem apenas com o fazer estético, restringindo-o à área instrumental da poesia, pelo que o poema se aliena do circunstancial, nada exprimindo da visão de mundo que por acaso tenha o poeta. Fazem o poema preocupando-se apenas com seus dados intrínsecos, estruturam-no dentro do seu fechado contexto verbal, de modo que em geral resulta um trabalho bem feito, “bonito”, mas funciona como uma espécie de ornamento literário. Pouco ou nada nos diz. E aqui lembro o crítico e poeta Pedro Lyra, ao afirmar: “um tal poema evidentemente é um poema desta ou daquela orientação estética, mas apenas é, pois não logrou potencializar-se como substância – num nível superior àquele onde este poema apenas é. Por isso não diz nada ao seu leitor.”

Claro que um poema é para ser belo, para proporcionar-nos prazer estético, comovendo-nos, antes de tudo. Mas tem que ir além, já que sua função é de maior abrangência. Alex parece lembrar-nos isso, quando fala no “Poeta sem plumas” um dos poemas deste livro, que até cabe ser transcrito aqui: “No silêncio do deserto/ o sonho branco da noite/ sob uma lua sem nuvens/ dorme um sono mineral/ de carvão, ossos e ausência./ Aí jaz a antipoesia/ do antipoeta sem pluma/ como cal e cimento mudo/ no edifício vazio/ do engenheiro do nada.”

Pois bem, ele não quer ser o engenheiro do nada. Ele tem pressa em dizer e elabora o poema com o propósito de ir direto ao assunto. Não quer que o poeta seja só emoção. Sua convicção é de que o poeta é povo e de que o poeta tem a terceira visão. E é com essa visão que, neste livro, ele penetra fundo os meandros de nosso falso patriotismo, tantas vezes cantado e terminando sempre com o refrão: “Pátria Amarga Brasil”. Alex mostra que, em vez de doce amada, essa pátria é amarga e desamparada. Seu livro não é uma paráfrase ou uma paródia do Hino Nacional, mas uma interpretação com interpenetração do que se passa por trás das grandiloquentes palavras do Hino. Ao cantá-lo com tanta ênfase, não estamos mais do que escondendo no canto uma verdade que o pseudopatriotismo se recusa a revelar. Não cantamos o que sentimos na carne e na alma. Cantamos o que as palavras convencionalmente oficializadas nos impõem da boca para fora. Daí é que o poeta desmascara o refrão gravado na memória do povo (se é que está mesmo) e como que nos mostra assim a outra face do Hino: “Dos filhos deste sangue/ és mãe senil/ pátria amarga Brasil”. E então a pátria, não amada, mas amarga, não é mais a mãe gentil, mas senil, dos filhos deste solo já agora inundado do sangue da violência, nas favelas, nas ruas, e no campo.

As palavras são duras, contundentes, navalhantes, em quase todos os poemas de “Pátria amarga Brasil”. Eu havia definido, certa vez, o poema como sendo uma luta de facas, e vejo que AB, em seu livro, me dá a comprovação disso. Há mesmo um poema intitulado “Navalha”, em que tudo se toma cortante, “lâmina sem piedade/ na minha e na tua carne/ na carne da sociedade”.

Mas Alex, mesmo certo de que “o poeta luta na praça e nas ruas sangra o coração”, não dá a sua luta o mesmo caráter da violência que ele combate. Não corta na carne como os assaltantes de rua nem tem a tendência dos estripadores contumazes. Antes, age como o cirurgião que, ao procurar ferir fundo a estrutura de nosso organismo social, é com o propósito de tentar extirpar dele os cancros que o afetam. Assim, quando ele admite que, por enquanto, se cante: pátria amarga, Brasil, não está menosprezando as palavras do Hino Nacional, mas, de outro modo, servindo-se delas, com o intuito de despertar-nos para uma realidade deprimente, vergonhosa, que precisa ser modificada.

Não vai nenhuma ofensa em reconhecer que, para a maioria do povo, a pátria é amarga e não tem nada de mãe gentil. Só os poderosos mamam nas tetas dessa mãe, para eles, generosa, e vivem aquela doce vida, não a dos privilegiados pelos deuses, mas a dos que gozam de prerrogativas inventadas por eles mesmos, para que cometam crimes contra a coisa pública e nunca sejam punidos. Enfim, a pátria não é amada por eles, é mamada, e por isso amarga para nós. O poeta lança, então, o seu grito de protesto no desejo de que isso mude. Desmantela toda a armação hipócrita sob a qual vivemos para exprimir a força do verdadeiro patriotismo. E não se pode esperar menos de quem se nota que tem o Brasil não só dentro da alma, como até lembrado no seu próprio nome: Alex Brasil. Sabendo que “o poeta é carvão e brasa/ que mantém acesa a vida”. Ele manda aqui a sua brasa para acender consciências extintas. Nele a poesia arde, queima, ilumina, pois além de dar seu recado em poemas voltados mais para explosivas investidas de natureza sócio-política, também nos oferta momentos vivos de poesia mais comprometida com a substância própria do ser em si do poema, como em “Navalha”, “Poeta sem plumas”, “O prédio”, “Overdose”, “Sistema”, “Eu cósmico” e “Dia”. Mas de um modo geral o livro não desmente o projeto literário do autor, já muito conhecido dos seus leitores.
José Chagas

 


Grito de protesto

Publicado noutros tempos,numa época caracterizada pelo desvario da prepotência e menosprezo pelos valores culturais, este livro de Alex Brasil, o seu mais novo e pungente grito de protesto ao longo de sua vasta bibliografia composta de quinze volumes, seria repudiado e qualificado como um breviário de repulsa e afronta aos deveres cívicos.

Mas, os costumes são outros; respira-se certa atmosfera libertária, muito embora a miséria, a fome e o desespero continuem afrontando os lares e devastando esperanças. Mais do que nunca, o povo, em constante exílio social, está sedento de justiça, clamando e reclamando a posse dos seus direitos extorquidos, em praça pública ou através de sofridas peregrinações pelas areias escaldantes de angústias, pedindo a reposição do respeito e da dignidade para com o ser humano.
Alex Brasil prossegue incansável na sua missão em prol dos humildes. Sua voz máscula é um ataque frontal dirigido às instituições maquiavelicamente burocratizadas, ultrapassadas e desumanas.

Qual novo e ressurrecto Castro Alves em pleno Século XX, na Era da Moderna Tecnologia, ele condena, denuncia e esbraveja do soberbo pórtico do seu combativo Navio Negreiro, no pulsar de suas veementes censuras, do latejar dos seus incontidos ardores lançados nos rostos macilentos e indiferentes dos irresponsáveis.

Quem o ouvirá? Quem poderá, outra vez, comungar com o seu altivo e viril brado de protesto? Quem será capaz de traduzir, dentro de si próprio, a ruminação de mágoas em vertentes de amargos desencantos?

Pátria Amarga Brasil é a radiografia moral e sem retoques, reflexo de uma nação em crise e duramente sacrificada, onde o povo presta-se à condição de cobaia nas renovadas experimentações sociais que lhe sangram as energias já exauridas, consumindo-lhe, com voracidade, o sangue paupérrimo e empobrecido pelos traumas de reiteiradas adversidades.

Para tanto, faz uso da palavra como instrumento secular de luta, implacável arma de combate que já destruiu as mais poderosas e intolerantes cidadelas da sujeição, fortalezas do insulto, masmorras da tirania, no domínio absoluto e viril do seu apostolado, em defesa dos esquecidos direitos humanos desta nossa melancólica e ressentida civilização
brasileira.

JORGE NASCIMENTO
da Associação Maranhense de Escritores – A.M.E.