CHUVA
Chove.
Torrencialmente.
Árvores seculares caindo,
sementes mudando de destino…
Chove no boca da noite.
Pássaros em banco,
assustados,
fazendo aterrissagens forçadas.
Chove.
Já é noite.
Os pingos pululam no telhado,
o inferno risca o céu,
Deus braveja,
As crianças
Se agasalham
Nos braços dos pais
mais assustados que os filhos,
lembrando o dilúvio de Noé.
Chove na cidade grande,
ratos morrem afogados,
o INAMPS não pode socorrê-los,
falta verba que outro tipo
de rato desviou;
os ratos afogados vivem nas palafitas,
os ratos mais espertos em palacetes.
E cada um
contempla a chuva à sua maneira:
o mendigo com a sua dor,
o rico com seu uísque,
o romântico fazendo amor;
o bicho, de semblante triste.
E eu contemplo
pelo quadro da janela,
ouvindo gritos nas trevas,
roncos de aviões sem pouso,
baques de postes em concreto;
observo a chuva
acompanhado pelo telefone
que não funciona,
pela solidão que me comporta.
E os ratos entram pela minha boca,
os relâmpagos,
os trovões,
todos os baques,
as águas correntes,
a densa escuridão,
os gritos,
os furacões,
tudo que a chuva traz,
alagando minha alma,
inundando minha vida.
E nos destroços
que flutuam nas correntezas,
vejo os restos dela:
cabelos para um lado,
olhos para outro,
sexo,
umbigo,
boca,
nádegas,
nariz
tudo me invadindo
e, consequência da chuva torrencial,
da tempestade.
Pois toda vez que chove,
chove Tereza em mim,
chove suas lembranças,
chove suas saudades!
FLOR DE MAIO
Secreta, no silencia estranho
de um regato protegido das tempestades;
majestosamente delicada
em sua auréola de sonhos;
toda vez que chegava maio
eu ia vê-la, arrastado pela saudade.
Beijava-a, tanta beleza
enchendo meu olhos,
tanto perfume afastando tristezas,
e somente nós dois
no seu mundo particular
feito de pétalas frágeis
a desabrochar.
então, o mundo lá fora
seduziu a menina-moça,
tão intimista, tímida;
e machucou-a com suas garras venenosas.
Hoje, murchando na vida-fel
perde duas pétalas em cada bordel.
Hoje, toda vez que chega maio
só me desabrocha saudades, feito navalha,
retalhando-me enquanto me contraio.
Oh! minha noiva,
minha primeira namorada,
como estás desfigurada,
como viraste espinho
minha outrora flor de maio!
PREFÁCIO (CARLOS CUNHA)
A poesia está aí. Sempre a exigir mais poetas do que livros de versos. E nós, nós os mais velhos, mais colonizadores do que aventureiros, mais plantadores do que posseiros, parecemos ouvir seu grito de observação e avertissement, estudem-me, interpretem-me. . .
Quando Alex Brasil publicou seu primeiro livro, e numa época em que havia, no país, notadamente no Maranhão, inflação de escritores, sentimos que ele não ficaria apenas nas comemorações e banquetes de estréia. Partiria, por força da vocação e do talento, até outros experimentos. E aconteceu, tanto que não lhe escondemos estímulos ou lhe camuflamos elogios.
Vieram depois o segundo e terceiro livros e, já agora, o quarto, sem fugir da temática inicial, mais preocupado e sabedor das angústias do homem, elaborando sua indiscutível poesia de condição humana.
Muitos poetas de sua própria geração não saíram da avant-premìere. Ficaram repetindo seus versos de infância até mesmo louvando-os. Outros, menos sensíveis, permaneceram com as liras debaixo do braço, expondo-as sem saber tocá-Ias. Outros, ainda, cheios de orgulho por fora, mas com humildade por dentro, perceberam que, somente estudando, poderiam ampliar seus vôos, abrindo os caminhos para uma interpretação aguda e ampla consciência do fazer poético.
Neste livro voltamos a conviver com Alex Brasil. O poeta nos apresenta um acervo maior de experiências. Mais pujante e mais sensível, embora permaneça indisciplinado tecnicamente.
Confiantes no seu caminhar seguro, no seu entender que a poesia é um ato de permanente renovação não lhe regateamos aplausos quando solicitou inscrição na Literatura Maranhense. De um livro para outro se apresenta sempre mais seguro, mais sensível, em suma, sempre mais poeta. Nos poemas inseridos neste livro bastaria CREPÚSCULO VINTE para o leitor observar as reformas e revisões que Alex Brasil vem operando em si mesmo. Senão vejamos:
O século e eu/estamos em fase de suicídio,/caminhando para a loucura,/beirando o precipício,/perdidos em tanta amargura./O século está em guerra com a paz:/com a bomba de nêutron assassina;/com os mísseis mortais;/sangrando a palestina/depois de Apodrecer as Malvinas/num absurdo confronto de homens feitos chacais!/Eu estou chegando ao meio da vida-viagem,/a alma subtraída de esperança,/o coração diminuindo a voltagem,/a fé perdida na distância/e os pés calejados de tantas andanças/por não se fixarem em nenhuma paragem./Eu e o século/estamos no crepúsculo XX,/à beira do abismo existencial,/vendo a luz diluindo-se/sem que Deus nos socorra/da cegueira total!
ORELHA (JOSÉ CARLOS SOUZA SILVA
Não sou poeta nem crítico literário. Sou apenas leitor de tudo que escreve Alex Brasil e é com a visão de homem comum do povo que vejo e analiso o conteúdo e a extensão de sua poesia.
Eu li, com muita atenção, as poesias que compõem Crepúsculo Vinte e pude perceber que se trata de uma contribuição valiosíssima para a literatura maranhense.
O Alex Brasil demonstra ser nesse livro um poeta que vê e sente os contrastes da vida social, que lhe causa uma angústia, uma dor, uma revolta, muito natural nos que sabem realmente ver e sentir.
Suas poesias nesse livro espelham também um poeta que se renova à medida que novos temas, novos fatos e novas perspectivas do futuro, se lhe apresentam.
Por isso, o Alex Brasil é e será sempre um poeta que consegue expressar o tempo e seus momentos, de ontem, de hoje, e de amanhã.