Anjo e fada da nossa literatura

ANJO E FADA DE NOSSA LITERATURA


Fiquei sabendo que em algum lugar no passado, quando Tribuzi, Gullar, Lago Burnet, Odilo Costa, filho, entre outros, construíam uma parte significativa de nossa literatura contemporânea, o poeta José Sarney referiu-se à jovem e talentosa Arlete Nogueira da Cruz como “anjo e fada de nossa literatura.”

Hoje, passadas várias décadas, quem conhece o percurso expressional desta romancista, contista, poetisa e ensaísta maranhense sabe quão profética era a frase do poeta, como se fora escrita n’A PAREDE.

Arlete é, mais do que nunca, fada e anjo de nossa literatura, não só por ser mulher sensível e dotada de um talento luminoso e criador, mas por ter levado tão a sério o seu ofício de escrever, ao longo de um árduo labor, que quem a lê, depara-se com a mais límpida linguagem, digna dos iluminados mestres do fazer literário.

Mesmo na poesia, um gênero essencialmente simbólico, onde a multiplicidade conotativa é característica básica, a poetisa Arlete impõe o seu estilo cristalino, conciso, numa dicção tão simples e despojada que meio e mensagem se completam sem o mínimo ruído de comunicação com o leitor. Quem lê o seu segundo livro de poemas Litania da Velha, pode experimentar essa sensação de que escrever uma obra magistral  parece simples e sem mistério, sendo, no entanto, somente possível àqueles autores que atingiram a mestria da consciência suprema da semântica e da sintaxe, onde as palavras se expõem sem transbordamento, no lugar exato e na função precisa. E neste caso, sem deixar de ser poético, onde o ritmo, a musicalidade e o encantamento se preservam e se refletem na tessitura da criatividade depurada ou purificada.

Na prosa, onde sua produção é mais intensa e extensa, a evidência de sua arte feita com limpidez, quase minimalista, está na sua obra intitulada Contos Inocentes, que surpreende o público ledor mais ingênuo que imagina se confrontar com textos de aprendiz. Instigante, no entanto, a prosa ali trabalhada nos espanta pela sua estrutura lúcida e lídima, porém fruto de uma alquimia literária só alcançada por quem domina todos os elementos ficcionais, e deles extrai uma substância original que enriquece e torna mais belas as palavras da língua portuguesa.

No conjunto, no entanto, quando o mosaico de sua produção compõe todo seu percurso e multifacetado discurso literários, abrangendo da crônica ao romance, o que vemos é uma artista coerente com sua arte e com seu tempo. O que se nos revela é uma personalidade que não se restringe só à esfera intelectual, sobressaindo-lhe traços indeléveis a compor em sua biografia uma tela maranhense de história, gentes e literatura.

Eis, então, o que sintetiza essa complexa (pela polivalência criadora) e mestra (pela técnica exemplar) escritora: Arlete é, acima de tudo o que realizou, uma alma contemporânea, uma cronista a registrar em sua trajetória humana e artística o seu tempo, num painel de nomes, nuvens, sal e sol, personificando com pertinência o poema Mãos Dadas, de Carlos Drummond de Andrade: “Não serei o poeta de um mundo caduco./ Também não cantarei o mundo futuro./ Estou preso à vida e olho meus companheiros…./ O presente é tão grande, não nos afastemos./ Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas…./O tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.”

Por ser essa voz solidária e compartícipe de nossas artes, ora criando e produzindo literatura, ora incentivando e realizando cultura com o espírito independente e nobre, Arlete Nogueira da Cruz é, indiscutivelmente, a maior escritora de nossa história literária.

Como um rio-tempo a fertilizar as mentes libertárias com renovadas palavras, e a fecundar a nossa vida cultural com novos horizontes, a fundamentalmente escritora Arlete Nogueira da Cruz é, agora, mais do que um anjo e fada de nosso panorama artístico: é dama de nosso universo intelectual. A sua canônica e enriquecedora obra, assim como sua presença ativa na nossa inteligência criadora, com eloqüência atesta, por si sós, essa sua importante participação na elaboração de um capítulo fundamental do nosso patrimônio cultural, a quem a posteridade saberá reconhecer e perenizar. Como anjo, porque do humano extrai a linguagem eterna; como fada, porque dá linguagem cria a mágica beleza da forma.

Alex Brasil
01/01/2007